sexta-feira, 10 de abril de 2015

Autopsicografia

O meu corpo enregela-se, embora a brisa seja cálida e reconfortante. Os pêlos imaculados do meu corpo eriçam-se num gesto irreflexo, em sinal de alerta. Os meus olhos fitam cada milímetro de terreno numa busca incessante de perigo e as minhas patas movem-se cautelosamente evitando as areias movediças.
Um estalido. Um passo. Uma ameaça.
As patas fincam-se no solo e um impulso das patas traseiras projeta-me para a frente, atacando vorazmente o corpo que se estende à minha frente. Eu não vejo, a raiva inflama-me o corpo, o caração lateja e os meus pulmões recebem e expelem o ar numa velocidade furiosa e alucinante.
O sabor metálico instala-se na minha garganta e percebo o ferimento que causei. Largo o corpo inerte, imitindo este um baque ao entrar em contato com o solo e a folhagem seca.
E então recuo, perplexa. O corpo pequeno, tão semelhante ao meu, olha-me com súplica. Sinto as pernas fraquejarem, seguindo-se o meu mais nobre ato de cobardia.
Fujo. O corpo ficou lá atrás estirado. A montanha parece pequena para mim e para os meus problemas.

3 comentários:

  1. Ás vezes não temos coragem de encarar as coisas mas temos de nos lembrar que por vezes quanto mais as evitamos maiores elas se vão tornando

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  2. E, como sempre, a tua escrita prende-me e delicia-me. Esta és tu, no expoente máximo da tua bela maneira de escrever e encantar. Adoro, adoro, adoro.

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  3. As metáforas que utilizas deixam-nos a pensar. Parabéns!

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"Procura o que escrever, não como escrever." Séneca
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