terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Tocada - Nikki (Cap. I)

Um resplandecente dia tomava conta de Portland, o que era de estranhar, uma vez que a neblina costumava atacar violentamente a região, tornando-a um tanto sombria mesmo na época estival. Algures, no que restava da minha memória, eu conseguia lembrar-me de uma paisagem marcada por neblina. Eu olhava para a estrada como se ela me pudesse fornecer respostas. Mas não podia, obviamente. Sentia-me perdida, sem identidade, sem memórias à exceção daquela memória do filme e pouco mais depois de ter acordado do suposto coma. Lembrava-me de um médico relativamente novo, de cabelos negros que não parecia acreditar naquilo que dizia, do seu bloco de notas e da sua bata imaculada. Recordo-me do seu discurso, anunciando que não sabiam quem eu era. Boa, nem eu, e provavelmente nem o homem que me tinha trazido, dado que nunca mais ninguém tinha tido notícias dele.
Ouvi a porta abrir-se e olhei para trás. O doutor Harjo tinha-me vindo visitar, tal como fazia quase todas as manhãs. Tinha-se tornado uma ótima companhia e interessado em me ajudar a recuperar a identidade. Eu sabia a razão pela qual ele lá estava e não podia estar mais feliz por me ter arranjado uma enorme lista de nomes que poderia adotar enquanto não descobriam quem eu era. Digamos que não era agradável chamarem-me de Paciente 14563. Um nome seria bem mais agradável, ainda que não fosse o meu verdadeiro.
– Bom dia. – Cumprimentou com um laivo de cansaço a pautar-lhe a voz. – Arranjei uns nomes bem interessantes que acho que podias gostar. 
– Ainda bem. – Sentei-me na cama enquanto ele se sentou no cadeirão.
Durante algum tempo o doutor Harjo leu-me os nomes, mas nenhum me parecia ideal. Eu queria o meu nome, a minha identidade. Aquilo era uma fachada e em nada me ia ajudar, contrariamente ao que eu julgava.
– Então? Algum que suscitou interesse? – Interpelou. Qualquer coisa no meu rosto denunciou desalento. – E que tal Nikki? Não sei, mas acho um nome bem interessante e bonito. – Sorriu.
– Por que não? Qualquer um serve. – Encolhi os ombros. – Ninguém perguntou por mim?
Não sabia exatamente a razão pela qual continuava a insistir naquela pergunta há mais de uma semana quando sabia a resposta.
– Não. – Resfolegou. – Mas vamos descobrir o que te aconteceu. – Olhou pela nesga da porta para ver se alguém circulava pelos corredores. – Já te confidenciei que há algo de errado na tua história e isso está a inquietar-me. Vou ver se falo com um amigo meu para que consigamos ver quem foi a pessoa que te trouxe. Depois vamos ver se descobrimos a morada desse homem e se ele nos conta o que se passou contigo, como te encontrou ou se viu alguma coisa de suspeito quando te trouxe para cá. 
Abanei afirmativamente a cabeça.
– Quando é que posso sair daqui?
– Não sei. Não tens para onde ir. Já informamos a polícia, mas ainda nem sequer nos apresentaram soluções. Devem estar ocupados. – Revirou os olhos. – Contudo, amanhã iremos realizar uns exames para ver qual a tua verdadeira situação. Depois resolvemos tudo o resto, pode ser.
– Obrigada, doutor. Não é obrigado a fazer isto por mim.
– Não te preocupes com isso. Compreendo que a tua situação não é nada bom e está a aguentar-te muito bem para quem não sabe quem é. Sabes por acaso quantas pessoas enlouquecem por causa disso? Não tens noção. Parece que ficam num estado de anomia profundo... – Fitou o seu relógio durante uns momentos. – À uma e trinta da manhã eu venho cá. Vamos visitar um amigo meu.
– Obrigada. – Voltei a agradecer, esforçando-me por esboçar um sorriso.
– Ah! Antes que me esqueça...
Deslocou-se até à pequena placa translúcida onde estava escrito Paciente 14563 e apagou-o, colocando Nikki Harmon
Não questionei o nome. Soava-me bem e eu conseguia perceber que o doutor Harjo me iria ajudar a encontrar-me. Parecia ser a única pessoa em quem eu podia verdadeiramente confiar. 

Estive acordada até há hora que o doutor Harjo me tinha dito e, a essa mesma hora marcada, ouvi alguém a bater à porta. Lancei as minhas pernas para fora da cama e apressei-me a abri-la. 
– Toma isto. Veste-te que eu espero cá fora. – Colocou-me nas mãos um uniforme de enfermeira. Alguma coisa diferente para além daquelas camisas de hospital enfadonhas. Não sabia se costumava ter aptidão para a moda, mas com certeza deveria ter.
Vesti-me e senti um arrepio percorrer-me a coluna.
– Onde vamos?
– Já vais ver.
Enveredamos por umas escadas onde subimos alguns pisos. O doutor Harjo subia as escadas graciosa e velozmente enquanto eu me mantinha mais para trás. Finalmente ele parou em frente a uma porta e abriu-a. Cheirava a pó, o que me fez tossir. A sala estava escura e cheia de ecrãs de computador. À medida que fomos entrando, o cheiro a café forte afagou-me as narinas. Por momentos senti que algo me iria aflorar à memória, mas nada. 
Um homem balofo, de pele cor de chocolate, estava sentado em frente a um ecrã, observando as entradas e saídas do hospital.
– Kev! – Cumprimentou o homem, olhando com ceticismo para mim. – Esta é a tão famosa paciente?
– Sim, é ela. – Respondeu. – Lembraste daquilo que me falaste? Podes ter a amabilidade de cumprir a tua promessa?
– Óbvio! – Exclamou. – Lamento o que te aconteceu, miúda. Espero ser-te útil.
Agradeci e sentei-me na cadeira, junto ao doutor. Larry começou a retroceder a gravação até ao dia em que eu tinha dado entrada no hospital.
– Pára aí, Larry! – Exclamou o doutor quando viu um homem a entrar com alguém nos braços. – Aproxima a imagem, por favor.
Ele assim o fiz. Era eu, indubitavelmente. Estava inanimada e, de imediato, uma equipa médica me socorreu. No fim, o homem saiu a correr. Larry conseguiu arranjar um ângulo onde eu pudesse vislumbrar o semblante do homem. 
– Nikki, conheces? – Perguntou o doutor.
– Não, lamento, não conheço. – Estava prestes a chorar compulsivamente. Aquilo era demais para mim. E se eu tinha uma família? E se já me tivessem declarado morta quando eu ainda estava viva? A minha vida era uma interminável frase repleta de "ses". 
– Não te preocupes. Nós vamos encontrar este homem. – Afagou-me o ombro. – Larry, grava essa imagem. 
– Eu posso descobrir quem ele é. – Prontificou-se Larry.
– Sim. – Disse de imediato. – Quero dizer, se não se importar.
Larry desenhou um sorriso leve na cara e confirmou que me ia ajudar. 
Tudo parecia estar-se a recompor. Se ele conseguisse identificar aquele homem e dar-nos a sua morada, provavelmente esse homem incógnito revelaria muitas das variáveis que giravam em torno da minha história.

2 comentários:

  1. Reparei que iniciaste uma nova historia mas não tive tempo para a ler pois esta semana foi de loucos.
    Mas fiquei feliz por voltar a ler algo teu, é como uma lufada de ar fresco, you know ?
    Pronto, agora estou super curiosa! Adorei o começo e o mistério à volta da rapariga e do homem!
    E espero ansiosamente pelo próximo capitulo.
    Beijos, Cassandra :D

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"Procura o que escrever, não como escrever." Séneca
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