quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Tormentus

Zarpou ao vigésimo sétimo dia do mês de Novembro sob o céu avermelhado. Zarpou e naufragou. Não sei quem sou. Não me lembro do meu nome, da minha idade, da minha família... se deixei alguém para trás, o propósito concreto de ter atravessado o oceano. Não sei nada de mim. Parece que as minhas memórias estão mergulhadas numa imensa camada impermeável, não me deixando aceder a nenhuma memória. 
Lembro-me de ter acordado na costa. Rosto espalmado contra a areia molhada, leves ondas batendo-me nos tornozelos e uma brisa fresca a levantar a minha camisa. Questionei-me se estava no Céu. Contudo, achei que era demasiado bom para ser verdade. E era.
A minha boca sabia a sal. Parecia que tinha estado mergulhado durante anos a fio numa solução salgada e que o cheiro chegava até à medula dos meus ossos. Provocava-me náuseas. A custo, parecendo um idoso, levantei-me, mas deixei-me cair novamente. As minhas pernas estavam demasiado frouxas para se dignarem a locomover. No entanto, lembrei-me que tinha de sair dali, daquele local que era uma ilha com um céu apocalíptico, negro, onde palmeiras exuberantes esvoaçavam ao sabor do vento. 
Durante dias explorei a ilha. Nada. Não havia nada. Não havia uma casa nem vestígios de humanos e os que haviam estavam já em osso. Animais havia de sobra. Macacos. Cobras. Roedores... Uma biodiversidade exímia mas assustadora principalmente quando a noite me embalava e insistia para que eu curasse a exaustão. Fiquei doido. Não me conseguia adaptar. Um simples estrépito era motivo para me fazer enrijar o tronco e adoptar uma postura defensiva. Quando um animal se aproximava de mim, o meu instinto era atravessar-lhe uma lança no peito como se ele me tivesse ameaçado. Estava a tornar-me um animal autêntico, sem limites, onde matar era o essencial para a sobrevivência, mais até que comer.
Fiquei realmente demente. Noites sem dormir. Pesadelos intermitentes. Alucinações... Eram o prato do dia.
Pensava como era possível dizerem que o Homem precisava de se livrar do que era mundano. Provavelmente eu tinha uma boa quantia monetária que me permitiria subsistir até ao fim da minha vida. Conseguia ver os destroços da embarcação e parecia-me realmente cara. Eu devia ser um tipo cheio de massa.  
De que me vale se agora sei que sou Harry Clapton, que tenho trinta e dois anos, que não tenho família e que sou multimilionário? 
Estou a morrer. Nem o dinheiro me salvará. 

1 comentário:

  1. obrigado minha querida. é sempre bom saber a opinião dos meus seguidores :')
    e claro... não vale mesmo. gentinha dessa... é dar desprezo ;)

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"Procura o que escrever, não como escrever." Séneca
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