quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O Bebé Vestido de Amarelo


O batimento do coração da minha mãe a acalmar-me, o meu pai a pegar-me como um avião e eu a fechar os olhos para tentar adivinhar para onde ele me levava, a minha irmã mais velha a fazer uma concha com as mãos enchendo-as de água para de seguida me molhar o cabelo e cara e eu me rir, uma menina a correr nos seus patins e eu nos meus num pátio longínquo, um corredor de cacifos do passado onde eu e a minha irmã sem laços de sangue partilhámos segredos e criámos expetativas, um rapaz a encostar os seus lábios nos meus num movimento tão desastrado, tosco e especial. E tu, deitado num berço de hospital, vestido e amarelo, com mãos pequeninas e um choro tão meiguinho e dócil.
De todas as maneiras o amor sempre me surpreendeu e tem feito mais do que manter-me inteira, tem-me feito viver, e surpreende-me como é que algo tão bom ainda não tem um imposto acrescentado. E tu um dia vais aprender – um dia que não queria que chegasse porque recorda-me do meu e do teu inevitável fim – um dia tu vais aprender mais do que uma maneira de amar e vais ver que não será só uma questão de sobrevivência, vais entender que é pelo amor que nós vivemos, e que nós vivemos pelo amor. Esquece a vingança, esquece as guerras, esquece o trabalho das nove às cinco, esquece o dinheiro, esquece os vícios, esquece tudo o que te faz esquecer de viver e promete-me aqui e agora, antes que seja tarde de mais, faz-me e cumpre esta promessa, promete que vais ser um homem que me vou orgulhar depois de eu estar dois metros debaixo da terra. Tudo o que quero é que chegue a ti esta minha mensagem, feijão, tudo o que quero é que ames e sejas amado.
Talvez esteja a desperdiçar o meu tempo a escrever este texto, porque quando tu o leres, o mais provável é que aqui não haja nada de novo para ti, mas neste preciso momento presente para mim e passado para ti, o mundo é um inteiro lugar por descobrir para e por ti. Tu és tão pequeno, tens um sorriso tão espontâneo, tão inocente e é-me difícil interiorizar que já fui tão casta como tu és hoje, nesse ontem que tu lês. Sabes, serve-me de algum consolo nos tempos que correm  e que eu corro saber que já fui uma criança.
E é tão difícil compreender a tua existência, sempre foste um sonho não sonhado, um sujeito hipotético e imaginado que nunca desejei mas sempre desejei, e quando soube que estavas a chegar eu não acreditei e sentei-me no sofá petrificada a querer chorar de felicidade. Era uma notícia demasiado boa para as vésperas do ano do fim do mundo. E aqui tu estás, com os teus olhos grandes fixos em mim, a sorrir quando tu deixas que eu te faça sorrir, a chorar pela tua mãe numa expressão rugosa e vermelha, a dormir e a sonhar com pequenas coisas, a dormir.
Dorme meu pequeno, dorme agora porque a vida promete-te noites insones, promete-te dias cansativos que quando a noite cai sentes que não te deveriam cansar porque ao fim e ao cabo foram inúteis, promete-te noites em branco quando estás demasiado cansado para dormir, promete-te dias longos nos quais tudo e todos parece que querem ver-te cair dum abismo. Mas eu prometo-te aqui e agora, que em muitas dessas noites que estarás acordado depois da meia noite haverá pelo menos uma noite que consideras a noite da tua vida, poderás estar acordado porque alguém não quer sair dos teus pensamentos, poderás estar acordado a trabalhar nalguma coisa que seja realmente importante para ti, poderás estar num bar a beber e a rir com as pessoas mais importantes da tua vida, poderás estar a passa-la com a pessoa que mais amas, por isso, quando estiveres a chorar a altas horas da madrugada, lembra-te disto que eu te digo. E o dia, mais comum, mais banal não te irá desiludir todos os dias, dá-lhe a oportunidade de te mostrar uma nova maneira de amar, e se não houver uma nova maneira de amar continua a amar como já sabes, e se nalgum momento não queres amar porque sentes que o amor te crava espinhos no teu corpo, ama-te ao menos, porque no momento em que te voltares a render ao amor, não valerá a pena o meu amor, o amor dos teus pais, de toda a tua família, dos teus amigos e dalguém que faz o teu coração palpitar mais depressa se tu não te amas, e esse amor pessoal e intransmissível, não te magoará tanto, porque a pessoa que tu és é a pessoa que conheces melhor.
Eu sei, eu sei, às vezes acordamos e vê-mos um monstro no espelho, às vezes as nossas atitudes e palavras deixam-nos tontos e entorpecidos, não acreditando no que acabamos de fazer ou dizer. Nada disso deixa de ser natural, por mais macabro que te pareça seria contra a natureza humana não conheceres o monstro que habita nas tuas entranhas, usa as tuas habilidades humanas e saberás dominá-lo e usá-lo para o teu próprio proveito sem magoar os que tu amas e te amam. Leva tempo, rapaz, mas não desanimes, todos nós passamos por esses momentos de dúvida que baixam as nossas guardas e os demónios aproveitam as nossas fraquezas para entrar nos nossos corpos, expulsa-os do teu ser, usa o amor para combate-los, diz-me, o que entende o Diabo do amor?
Deixa o amor que te faça sorrir, deixa o amor agarrar-te o pulso e conduzir-te para uma dança, eu estarei lá algures a levantar o meu copo para brindar a tua existência, deixa que o amor te leve aos lugares certos, deixa que o amor te deixe louco, afinal, nós não passamos de pequenas criaturas dementes que não valem nada se não saberem fazer o amor vale, eu amo-te, meu pequeno, e não sabes o quanto te agradeço por me teres mostrado naquele dia em que entrei no quarto de hospital e te vi deitado naquele pequeno berço, vestido de amarelo, com mãos pequeninas e um choro tão meiguinho e dócil, uma nova forma de amar e de ver o mundo,

Da tua tia adolescente 

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