terça-feira, 21 de agosto de 2012

Os Últimos dias na Terra - Parte IV

Ben deambula de um lado para o outro barafustando através do telemóvel com Harry, o seu colega de trabalho que era meteorologista, tal como ele. Aparentemente quer que ele vá ter com ele ao estúdio, mas Ben recusa. Ele sabe perfeitamente que pode não voltar a ver-nos se sair através daquela porta. Ele sabe que em breve abater-se-á sobre a região um furacão que pode tomar proporções nunca antes vistas.
Ava permanece com o olhar toldado por lágrimas e encontra-se com a cabeça pousada nas minhas coxas, numa posição fetal enquanto lhe afago o rosto lúgubre. Queria poder dizer-lhe que tudo iria ficar bem, que iríamos realizar em Dezembro a nossa viagem a Barcelona, que lhe iria comprar todos os CD's dos Radiohead e oferecer-lhe como presente de Natal. Mas sei que isso não iria acontecer. Ben não faz questão de nos esconder o que se estava a passar e eu admiro-o por ser incisivo e não nos esconder a verdade.
Olho na direção da televisão e aumento o volume quando percebo que estão a falar sobre o furacão. Ben corre até nós, libertando o telemóvel das suas mãos, e mesmo Ava levanta um pouco a sua cabeça. O apresentador do noticiário inculca que um forte furacão poderá assolar a região com a categoria 3, categoria essa caracterizada por causar danos pequenos em edifícios. Ben levanta-se bruscamente e fica embasbacado a fitar a televisão.
– Eles estão a alterar o que eu próprio confirmei. Categoria 5, eu vi e tenho a certeza! – Diz ele, abanando freneticamente a cabeça.
– E porque é que estão a mentir? – Pergunta Ava, soerguendo o seu tronco.
– Simples. Para não gerar pânico! – Faz uma pausa e ajoelha-se ao nosso lado, pegando na mão na mão de cada uma. – Categoria 5 é raríssimo. Provoca danos exorbitantes, destrói tudo o que à sua frente se intromete. Em breve teremos de nos recolher na cave.
Ava encosta-se a mim e choraminga. Ben abraça-me enquanto me dá leves palmadas nas costas.
Não tardaram a fostes vendavais e chuvas torrenciais inundarem a rua e dezenas de árvores caírem, limitando assim os acessos. Inexoravelmente as comunicações foram falhando. Telefones começaram a ficar interrompidos, a televisão ao invés de apresentar uma imagem nítida apresentava longos riscos acinzentados que se moviam freneticamente e a luz por diversas vezes falhava. Depois de nos certificarmos que tudo estava preparado, confinámo-nos à cave. 
Não é confortável e o espaço era demasiado limitado, já para não falar que se ouve na mesma os fortes ruídos da trovoada e do vento, impossibilitando-nos de dormir. De qualquer das formas, qual de nós conseguiria dormir numa situação daquelas? Nem Ava queria descansar. Mantinha-se encostada a mim como se fosse uma criança de cinco anos com medo dos foguetes. 
– E se a cave não resistir, Ben?
Ele puxa-me para si e envolve a minha mão livre nas suas.
– Há-de resistir. 
– E se não resistir?
– Acho que sabes a resposta, Kim. Tenta não pensar nisso. Nós vamos sobreviver. – Diz, quase soletrando a última frase que profere.
Encosto a minha cabeça ao seu ombro e procuro abstrair-me de tudo, de todo o barulho, das imagens hediondas do que se está a passar que irrompem pela minha mente, das famílias desesperadas que não têm um meteorologista em casa e um marido e pai dedicado que, inconscientemente, nos afastou do radar da morte. Penso nas pessoas que a esta hora jazem no chão, inanimadas, enganadas pelo governo e por aquelas que de alguma forma terão de sobreviver, tal como nós. Até que ponto não era bom estarmos também mortos dentro de breves instantes? O que se iria passar a seguir? Luta pela sobrevivência? Teoria de Darwin onde os mais fracos padecem e os mais fortes vigoram? Iríamos agir como animais, desprovidos de sentimentos? Quanto tempo iríamos sobreviver ali feitos toupeiras? Não. Eu tinha de deixar de pensar naquilo. Eu tinha Ben e Ava para cuidar e iria fazer de tudo para os proteger.
A certa altura ele começa a entoar a música que ambos cantávamos para Ava nas suas primeiras semanas de vida quando pretendíamos que ela adormecesse. Senti uma leve nostalgia abater-se sobre o meu peito e acompanhei-o. Não tardou Ava acompanhar-nos também e contrariamente ao que ela me dizia, ela sabia a letra. Concentrei-me na canção e nas boas velhas memórias que ela me trazia. 

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"Procura o que escrever, não como escrever." Séneca
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