domingo, 18 de novembro de 2012

She Wolf

Um dia disseram-lhe que ela não iria conseguir e que não passava de um cordeirinho manso que nunca seria capaz de impor ordem, de mostrar que era capaz de comandar o que quisesse e se o ousasse fazer, destruiria quem era. Disseram-lhe que a sua condição nunca melhoraria. Afinal de contas, como é que uma mera rapariga indefesa, que se deixava engolir pelas palavras atrozes dos outros sem protestar, conseguiria renascer e mostrar ser uma pessoa forte? Tecnincamente impossível.
Contudo, o tempo passou. Passou de tal forma que a mudou por completo. Episódios da sua vida fizeram-na enrijecer o espírito. Assistiu à morte, viu a vida escapar-se-lhe por entre os dedos pequenos, viu a decadência noutras pessoas, viu o seu país descer ao caos, viu os valores dissiparem-se como o bafo em frente ao seu nariz numa manhã invernal. Por muito que ela não admita, mudou substancialmente. Deixou de ser a criança frágil cujo nome era sempre pronunciado pelo diminutivo. Deixou de chorar em frente aos outros. Refugiava-se num canto, no seu quarto, escrevinhando frases que nunca leria a ninguém, imaginando discursos com alguém que sabia que nunca iria ter. Deixou de pedir para os outros a ajudarem: se queria, levantava-se e fazia. Tinha mãos, pés, cabeça e inteligência de sobra para fazer o que qualquer pessoa normal fazia. Deixou de agir como os outros queriam. Passou por ser fria, despreocupada, demasiado destemida e com a mania que era importante, enquanto que, por alguns, era vista como alguém na flor da adolescência cujos ideais desapareceriam em breve. No entanto, ninguém sabia nem se apercebia que muitas vezes o que ela queria era uma distração para não pensar no quão se odiava.
Chegou à idade adulta, ou próximo disso, quando começou a compreender como era e funcionava. Ela sabia que por muitos seria incompreendida, que sempre seria vista como a rapariga estranha do casaco preto comprido, a rapariga com cara de poucos amigos. Sabia que poucos a iriam conhecer verdadeiramente e que os que a conheciam nunca iriam traí-la porque ela nunca os trairia. Percebeu que era como um lobo, oscilando entre fases dóceis, onde era uma pessoa afável, sociável e fiel e fases onde todo o seu ceticismo, fúria e eloquência aflorariam num instante. Percebeu que muitas pessoas iam vê-la como uma pessoa cética, mas outras iriam vê-la de ambas as formas e habituar-se-iam a tal. 
Na verdade, ela deixou de se preocupar com as opiniões dos outros. Era filha da natureza, tinha nascido embalada pela folhagem de Outono, criada nos bosques, correndo, na infância, com alcateias e matilhas e crescendo sem se prender a coisas demasiadamente mundanas. E, filha obediente como era, não abjuraria as suas origens. 

- semi-fictício - 

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