quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Os Últimos Dias na Terra - Parte VI

Corro desalmadamente até ela com as lágrimas ainda a atemorizar-me o olhar. Vejo Ben cair de joelhos ao seu lado, rodeando o seu rosto alvo com as mãos e a verificar a pulsação. Olho-a. Um corte profundo na fronte desarmoniza-lhe o rosto de menina e jorra sangue de forma incessante. Rasgo de imediato um pedaço da minha camisola de algodão e tento estancar a hemorragia. Ben tenta acordá-la enquanto eu corro até à mala de primeiros socorros onde disponho ao meu lado uma panóplia de gaze, um frasco de água oxigenada e tintura de iodo. Como pode ela não acordar? O que tinha acontecido para ela ter rolado como um galho seco? Não quero saber para já. Tenho de desinfetar o ferimento.
Permito que ele se afaste e vá inspecionar o que se tinha passado.
Faço o cotonete beber água oxigenada e passo-lhe pela ferida aberta que começa a espumar avidamente. Coloco gaze por cima para embeber o sangue ou para lhe limpar sangue coagulado e finalizo com tintura de iodo. Contudo, o corte era profundo e necessitava que alguém o cosesse. Precisava de alguém que o soubesse fazer ou então ela ficaria com uma cicatriz pouco bonita para sempre. Mas onde é que eu iria arranjar alguém? Não iria porque o mais certo era todos terem morrido naquela maldita tempestade! Num ápice decido que por muito mal que ela fique, é preferível a manter o corte exposto. Pego na agulha, com as mãos a tremer, e começo a coser esperando o momento que o meu estômago se revoltasse. Era penoso saber que estava a coser a minha própria filha, sangue do meu sangue e que mais tarde aquele ziguezagueado irregular lhe iria causa muito transtorno. Pelo menos, ela estava inconsciente.
- Nós estamos presos aqui. - Anuncia ele com um olhar desalentado. - Eu não consigo tirar aquele pilar da abertura.
Olho para cima mas nada consigo enxergar. Ben dá-me a sua mão e ajuda-me a levantar. Subo as escadas e deparo-me com um imenso pilar branco e esburacado a obstruir a entrada. Olho-o de relance e tento perceber a desarmonia no seu rosto.
- Nós não podemos sair daqui, de qualquer das formas. O que sobrou? Um imenso rasto de destruição! - Riposto, irritada.
- Nós não vamos conseguir sobreviver aqui durante muito tempo, Kim. Quanto tempo achas que os mantimentos vão durar? Há vida lá fora! Tem de haver! - Insta, furioso. - Muitos podem ter previsto isto. O meu pai ensinou-me coisas que me permitem perceber o que vai ocorrer se olhar para o céu! Muitas podem ter-se precavido e o grau de destruição pode não ser uniforme! Não iremos sobreviver para sempre com o que temos aqui. Não tardará a faltar alimentos, roupas! Em breve, teremos de sair da toca e lutar pela sobrevivência.
Fito-o, atónita, ainda a perceber onde ele quer chegar.
- Esse pilar magoou Ava e nós temos de tirá-lo daí custe o que custar! - Continua, desesperado.
Desço o que me resta das escadas e vejo-o cirandar pelo compartimento há procura de materiais que o possam ajudar a ver-se livre do pilar. Desajeitadamente transporta uma picareta e começa a esburacá-lo ainda mais. Ele estava mesmo determinado a retirá-lo.
Acomodei Ava na cama, aconchegando-lhe os cobertores ao pescoço e auxiliei Ben. Não tardou muito a desistirmos. Era duro e demasiado grande para conseguirmos retirá-lo, já para não falar que com a  picareta iríamos demorar imenso tempo. Contudo, parecia ser a única alternativa, embora a exaustão se tivesse abatido sobre nós.
- O que fazemos agora? - Pergunto. - Ava está inconsciente. Não conseguimos sair daqui nem para pedir ajuda!
Ben afaga-me o rosto e percebo que estou a colocar tudo em cima dele e a agir como se ele fosse o detentor de todas as informações. Mesmo assim, ele esforçasse por ostentar um tímido sorriso.
- Vamos tentar acordá-la. - Sugere.
Concordo e procuro algures na caixa de primeiros socorros o frasco de álcool. Abro-o e coloco-o próximo das suas narinas. Nada. Não reage. Ben coloca ainda o frasco de uísque e nada. Não há forma de ela acordar! Desfaço-me em lágrimas e Ben abraça-me e embala-me como se eu fosse uma criança, prometendo-me que ela vai acordar e que o seu corpo apenas se estava a restabelecer. E se não estivesse a restabelecer? E se ela ficasse para sempre assim? Inerte? Quando é que este maldito pesadelo vai acabar? 

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